sexta-feira, 23 de setembro de 2011

A Amazônia que o mundo vê é tema de artigo


Jornalista e professor universitário mostra a “realidade” produzida pela mídia sobre os povos da floresta e suas histórias.

Gustavo Ferreira

Mídia e apropriação de saberes tradicionais: a recorrência de um discurso de afirmação e de negação estratégicas”. Este é o nome do artigo lançado pelo jornalista e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Manuel Dutra, sobre a relação construída pelos meios de comunicação entre os conhecimentos científicos da natureza e os interesses econômicos dos “mais desenvolvidos”.

O professor mostra, em seu trabalho, a maneira como a imagem do nativo amazônida é, ao mesmo tempo, afirmada e ignorada pela imprensa, de acordo com as intenções dos inúmeros parceiros econômicos e políticos vinculados à grande mídia. As contradições nos discursos apresentados nos veículos mostra o quão afastados são os reais protagonistas do contexto verdadeiro da região, diferente da distorção mostrada para o resto do mundo.

Dupla-face

As abordagens sobre a produção científica na Amazônia mostram um caráter dúbio, segundo o autor do artigo. Citando o caso do médico Dráuzio Varela que, em dois momentos distintos, se mostra renegando os saberes da medicina natural, e apropriando-se das mesmas técnicas, como se estas fossem resultado de um esforço exclusivamente seu.

O que se vê é a construção de um discurso “de uma sobrevaloração de sua própria competência, em contraste com um contexto natural sem história, sem passado, sem gente do lugar afinal descoberto e revelado, no momento presente”. Ou seja, os mesmos benefícios da medicina natural, desvalorizados (quando Dráuzio diz, na Revista IstoÉ de março de 2005, que “nós não temos nada a aprender com a medicina dos índios”), são postos em destaque novamente, através da exposição midiática.

Recorrência

Dutra destaca que este processo é fruto da história, de uma tradição colonialista preconceituosa que se mantém até hoje. Segundo ele, “o tempo passa e os elementos essencialmente constitutivos das velhas narrativas permanecem, atualizam-se”.

Este discurso exalta a ciência como a verdade absoluta, porém coloca o nativo como elemento segregado do processo. “certa é a ciência branca e hegemônica; na verdade, certos sentem-se todos aqueles que têm o poder de produzir, de modo sedutor na telinha, o silêncio daqueles que por eles são dominados e explorados, prática discursiva dos que se apropriam gratuitamente de saberes tradicionais para ganhar muito dinheiro e, parte do processo, negam que os povos tradicionais tenham alguma forma de saber”, diz o jornalista.

Outro ponto do artigo é a seletividade por meio de termos específicos, que fazem referência a elementos da cultura dos nativos. No artigo, Dutra cita o caso da palavra “biodiversidade” e do ribeirinho Sidomar, entrevistado pelo programa Telecurso 2000, de março de 1999. Sidomar não conhece o sentido da palavra em si, mas tem contato direto com todos os seus componentes naturais. Por este desconhecimento, o mateiro fica à parte da estrutura sustentadora da natureza.

“Dessa forma, o produtor midiático deixa mais ou menos explícito que os povos da floresta não conhecem a floresta, e que o saber sobre raízes, folhas, fungos, insetos e animais, etc. é atributo da instituição científica”, diz o autor do artigo.



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