Jornalista
e professor universitário mostra a “realidade” produzida pela mídia sobre os
povos da floresta e suas histórias.
Gustavo Ferreira
“Mídia e
apropriação de saberes tradicionais: a recorrência de um discurso de afirmação
e de negação estratégicas”. Este é o nome do artigo lançado pelo jornalista e
professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Manuel Dutra, sobre a relação
construída pelos meios de comunicação entre os conhecimentos científicos da natureza
e os interesses econômicos dos “mais desenvolvidos”.
O professor mostra, em seu trabalho, a maneira como a imagem do nativo
amazônida é, ao mesmo tempo, afirmada e ignorada pela imprensa, de acordo com
as intenções dos inúmeros parceiros econômicos e políticos vinculados à grande
mídia. As contradições nos discursos apresentados nos veículos mostra o quão
afastados são os reais protagonistas do contexto verdadeiro da região, diferente
da distorção mostrada para o resto do mundo.
Dupla-face
As abordagens
sobre a produção científica na Amazônia mostram um caráter dúbio, segundo o
autor do artigo. Citando o caso do médico Dráuzio Varela que, em dois momentos
distintos, se mostra renegando os saberes da medicina natural, e apropriando-se
das mesmas técnicas, como se estas fossem resultado de um esforço
exclusivamente seu.
O que se vê é
a construção de um discurso “de uma
sobrevaloração de sua própria competência, em contraste com um contexto natural
sem história, sem passado, sem gente do lugar afinal descoberto e revelado, no
momento presente”. Ou seja, os mesmos benefícios da medicina natural,
desvalorizados (quando Dráuzio diz, na Revista IstoÉ de março de 2005, que “nós
não temos nada a aprender com a medicina dos índios”), são postos em destaque
novamente, através da exposição midiática.
Recorrência
Dutra destaca
que este processo é fruto da história, de uma tradição colonialista
preconceituosa que se mantém até hoje. Segundo ele, “o tempo passa e os elementos essencialmente constitutivos das
velhas narrativas permanecem, atualizam-se”.
Este discurso exalta a ciência
como a verdade absoluta, porém coloca o nativo como elemento segregado do
processo. “certa é a ciência branca e hegemônica; na verdade, certos sentem-se
todos aqueles que têm o poder de produzir, de modo sedutor na telinha, o
silêncio daqueles que por eles são dominados e explorados, prática discursiva
dos que se apropriam gratuitamente de saberes tradicionais para ganhar muito
dinheiro e, parte do processo, negam que os povos tradicionais tenham alguma
forma de saber”, diz o jornalista.
Outro ponto
do artigo é a seletividade por meio de termos específicos, que fazem referência
a elementos da cultura dos nativos. No artigo, Dutra cita o caso da palavra
“biodiversidade” e do ribeirinho Sidomar, entrevistado pelo programa Telecurso
2000, de março de 1999. Sidomar não conhece o sentido da palavra em si, mas tem
contato direto com todos os seus componentes naturais. Por este
desconhecimento, o mateiro fica à parte da estrutura sustentadora da natureza.
“Dessa forma, o produtor midiático
deixa mais ou menos explícito que os povos da floresta não conhecem a floresta,
e que o saber sobre raízes, folhas, fungos, insetos e animais, etc. é atributo
da instituição científica”, diz o autor do artigo.
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